terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Agora, a bolha do preço dos alimentos

Publicado hoje no Estadão por Lester R. Brown

Produção acelerada de comida leva vários países a um consumo de água que não tem condições de se sustentar no longo prazo

Global Viewpoint

No início de janeiro, a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) reportou que seu Índice de Preço dos Alimentos havia atingido o ponto mais alto em todos os tempos em dezembro, superando o recorde anterior estabelecido na escalada de preços de 2007-2008. Mais alarmante ainda, no dia 3, a FAO anunciou que o recorde de dezembro fora quebrado em janeiro quando os preços subiram mais 3%.

Será que essa alta dos preços dos alimentos prosseguirá? Com toda probabilidade, veremos novos aumentos que levarão o mundo ao território não mapeado da relação entre preços dos alimentos e estabilidade política.

Tudo depende agora da safra deste ano. Baixar os preços dos alimentos para um nível mais confortável requererá uma safra abundante, muito maior que a safra recorde de 2008 que se combinou com a recessão econômica para encerrar a alta dos preços dos grãos em 2007-2008.

Se o mundo tiver uma safra fraca este ano, os preços dos alimentos subirão para níveis anteriormente impensáveis. Os saques de alimentos se multiplicarão, a agitação política se espalhará, e governos cairão.

O mundo está hoje a uma safra ruim do caos nos mercados mundiais de grãos.

No longo prazo, expandir rapidamente a produção de alimentos está se tornando mais difícil na medida em que as bolhas de alimentos baseadas no bombeamento excessivo de lençóis subterrâneos estourarem, encolhendo as safras de muitos países. Enquanto isso, a crescente volatilidade climática, incluindo eventos de tempo mais extremos e frequentes, tornará mais aleatória a expansão da produção.

Cerca de 18 países inflaram sua produção de alimentos nas últimas décadas bombeando em excesso a água de aquíferos para irrigar as plantações. Na Arábia Saudita, que foi autossuficiente em trigo por mais de 20 anos, o cultivo de trigo está em colapso e, provavelmente, desaparecerá inteiramente dentro de um ano, aproximadamente.

Na Síria e no Iraque, as safras de grãos estão lentamente encolhendo à medida que os poços de irrigação secam. O Iêmen é um caso de colapso hidrológico, em que lençóis freáticos estão encolhendo por todo país e os poços vão secar. Esse estouro de bolhas de alimentos faz do Oriente Médio árabe a primeira região geográfica onde o esgotamento de aquíferos está fazendo encolher a safra de grãos.

Embora esses declínios no Oriente Médio sejam dramáticos, as maiores bolhas de alimentos baseadas na água ocorre na Índia e na China. Um estudo do Banco Mundial indica que 175 milhões de pessoas na Índia estão sendo alimentadas com grãos produzidos com excesso de bombeamento. Na China, o bombeamento em excesso está alimentando 130 milhões de pessoas.

No lado da demanda da equação dos alimentos, há três fontes de crescimento hoje em dia. A primeira é o crescimento populacional. Haverá 219 mil pessoas na mesa de jantar desta noite que não estavam lá na noite passada, muitas delas com os pratos vazios.

A segunda é a riqueza crescente. Cerca de três bilhões de pessoas estão tentando subir na cadeia alimentar, consumindo mais carne, leite e ovos que dependem de um consumo intenso de grãos. E terceira, quantidades massivas de grãos estão sendo convertidas em etanol para mover carros. Cerca de 120 milhões de toneladas dos 400 milhões de toneladas da safra americana de grãos de 2010 estão indo para destilarias de etanol.

Um fato animador é que o presidente Nicolas Sarkozy, da França, prometeu usar seu mandato como presidente do G-20 em 2011 para estabilizar os preços mundiais dos alimentos. Por enquanto, as conversas têm sido sobre medidas como regular as restrições às exportações e a especulação, mas se o G-20 terminar tratando os sintomas e não as causas da alta dos preços dos alimentos, o esforço será pouco proveitoso.

O que é preciso agora é um esforço mundial para aumentar a produtividade da água, semelhante ao que foi lançado pela comunidade internacional há meio século para aumentar a produção das terras agrícolas.

No lado da demanda, precisamos acelerar a mudança para famílias menores. Há 215 milhões de mulheres no mundo que querem planejar suas famílias, mas não têm acesso ao planejamento familiar. Elas e suas famílias representam mais de um bilhão das pessoas mais pobres do mundo. Enquanto tapamos o buraco do planejamento familiar, precisamos lançar um esforço geral para erradicar a pobreza. Uma vez em curso, essas duas tendências se reforçam mutuamente.

E num mundo cada vez mais faminto, converter grãos em combustível para carros não é a maneira certa de avançar. Já é hora de retirar os subsídios para a conversão de grãos e outras colheitas em combustível automotivo. Se o presidente Sarkozy conseguir fazer o G-20 se centrar nas causas da elevação dos preços dos alimentos e não apenas nos sintomas, os preços poderão ser estabilizados num patamar mais confortável./ TRADUÇÃO CELSO M. PACIORNIK

LESTER R. YOUNG, FUNDADOR DO EARTH POLICY INSTITUTE, FOI CHAMADO DE UM DOS PENSADORES MAIS INFLUENTES DO MUNDO PELO "WASHINGTON POST"

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