sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Carta de Santarém conclui o V Fórum Social Pan-Amazônico


A realização do 5o Fórum Social Pan-Amazônico em Santarém, Pará, foi mais um marco da luta amazônica por uma terra viva, livre e com garantia de condições de vida para as próximas gerações. A leitura do documento final do encontro, aprovado pelas centenas de participantes, é uma chance de compreender a amplitude das questões envolvidas. A Pan-Amazônia ali reunida estava dialogando e agindo em favor da sobrevivência do planeta, da humanidade e da vida de forma geral. Vista mais de perto, essa luta épica desce à disputa por uma nova economia, uma nova política, uma nova organização social.
 
Carta de Santarém
 
Temos uma utopia: a construção de um continente sem fronteiras, a Aby-Ayala, terra de muitos povos, iguais em direitos e solidários entre si. Uma terra livre de toda opressão e exploração.
 
A vida em harmonia com a Natureza é condição fundamental para a existência de Aby-Ayala. A Terra não nos pertence. Pertencemos a ela. A Natureza é mãe, não tem preço e não pode ser mercantilizada.
 
Compreendemos que Aby-Ayala deva ser construída a partir de estados plurinacionais que substituam o velho estado centralizador, patriarcal e colonial, dando à luz novas formas de governo, onde a democracia se exerça de baixo para cima, seguindo a máxima do mandar, obedecendo, onde exista um diálogo de saberes e culturas, onde cada povo seja livre para decidir como quer viver.
 
A participação plena e igualitária das mulheres é uma condição fundamental na construção das novas sociedades. Da mesma forma a proteção integral das crianças, como portadoras do futuro da Humanidade.
 
A Terra, nossa casa comum, se encontra ameaçada por uma hecatombe climática sem precedentes na história. O derretimento dos glaciares dos Andes, as secas e inundações na Amazônia, são apenas os primeiros sinais de uma catástrofe provocada pelos milhões de toneladas de gases tóxicos lançadas na atmosfera e os danos causados à Natureza pelo grande capital, através da mineração descontrolada, a exploração petrolífera na selva e o agronegócio. Tal situação é agravada pelos mega-projetos, integrantes do IIRSA, como são a construção de hidrelétricas nos rios amazônicos e as grandes rodovias que destroem a vida de povos ancestrais, criando novos bolsões de miséria. Para deter este ciclo de morte, é necessário defendermos nossos territórios exigindo o imediato reconhecimento e homologação das terras indígenas, titulação coletiva das terras quilombolas e comunidades tradicionais, bem como o pleno direito de consulta livre bem informada e consentimento prévio para projetos com impacto social e ambiental, preservando assim nossa terra, nosso modo de viver e a nossa cultura, defendendo a natureza e a vida.
 
Defendemos e construímos a aliança entre os povos da floresta, dos campos e das cidades. Fazem parte de nosso patrimônio comum a luta dos camponeses pela terra, os direitos dos pequenos agricultores a assistência técnica, crédito barato e simplificado, e os justos reclamos por saúde, educação, transporte e habitação dignos para todos. Lutamos por uma sociedade sem exclusões, com liberdade, justiça e soberania popular. Combatemos no dia-a-dia todas as formas de exploração e discriminação baseadas em gênero, etnia, identidade sexual e classe social. Particularmente nos esforçaremos para superar a invisibilidade da população afrodescendente nas suas lutas e propostas sobre poder, autonomia e território.
 
A Amazônia Sul-americana possui problemas urbanos extremamente graves, nesse sentido é fundamental lutar pela construção de cidades justas, democráticas e sustentáveis, adequadas às diferentes realidades desta região, contemplando a diversidade dos atores sociais que vivem nessas cidades.
 
Na Pan-Amazônia, como em toda a América Latina, enfrentamos o militarismo que atua como mediador entre o colonialismo e o imperialismo. Condenamos a utilização das forças militares, corpos policiais, paramilitares e milícias como agentes repressivos das lutas dos povos, bem como os intentos de se utilizar a Justiça para criminalizar os movimentos sociais, a pobreza e os povos indígenas. Denunciamos a presença de tropas norte-americanas na Colômbia e a reativação da IV Frota estadunidense como ameaças à paz no continente. Repudiamos o colonialismo francês na Guiana e apoiamos os esforços de seus povos para alcançarem a independência. Nos manifestamos contra o golpe militar em Honduras e a ocupação militar do Haiti. Da mesma forma protestamos contra as barreiras que procuram impedir a livre circulação dos povos entre nossos países, defendemos o direito dos migrantes de terem uma vida plena e digna no país que escolherem para morar.
 
Lutamos por construir países apoiados em economias que mantenham a soberania e a segurança alimentar, que desenvolvam alternativas aos modelos predatórios e extrativistas e que tenham na economia solidária e na agroecologia, pilares na edificação do bem estar social. Para nós, os saberes ancestrais são fontes de aprendizagem e ensinamento em igualdade de condições com o chamado conhecimento científico; a democratização dos meios de comunicação é uma necessidade inadiável; a liberdade de expressão e a apropriação das novas tecnologias é um direito de todos, bem como uma educação que estimule o diálogo, os contatos sem barreiras, os dons e talentos individuais e coletivos que disseminem valores humanos, abrindo caminho para a transformação íntima e social.
 
Reafirmamos nossa identidade amazônida através de nossas múltiplas faces, honrando a tradição e construindo o novo. Fazem parte desta identidade as línguas originais dos nossos povos e seus conhecimentos tradicionais.
 
Estes são os nossos compromissos. Devemos transformá-los em ação.
 
LINHAS DE AÇÃO:
 Lutar pela produção de outras formas de energia em pequena escala, fortalecendo a autonomia e a autogestão da Amazônia e de suas comunidades;
 
 Realizar campanha pelo reconhecimento, demarcação e homologação das terras indígenas, titulação coletiva das terras quilombolas e de comunidades tradicionais;
 
 Lutar pela titulação de terras aos trabalhadores do campo e da cidade;
 
 Realizar campanhas pela aprovação de leis regulamentando a consulta prévia livre bem informada e consentimento prévio para projetos com impacto social e ambiental nos países Pan-Amazônicos;
 
 Organizar fóruns regionais para troca de conhecimentos e implementação de ações, com organizações de outras regiões, em cada local onde a Mãe Terra esteja sendo agredida ou ameaçada;
 
 Participar das redes que investigam a ação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (Brasil), contribuindo para obstruir os financiamentos a projetos que destroem o meio ambiente;
 
 Promover ações articuladas de denúncia e pressão contra projetos de caráter sub-imperialista do governo brasileiro na Pan-Amazônia;
 
 Unificar as lutas contra a construção de represas hidrelétrica nos rios da Amazônica, em especial as lutas contra Belo Monte, Inambary, Paitzpatango, Tapajós, Teles Pires, Jirau, Santo Antonio e Cachuela Esperanza;
 
 Realizar encontros e marchas denunciando as diversas formas de opressão, como o machismo, racismo e homofobia, e apresentando as soluções propostas pelas organizações e movimentos sociais;
 
 Pensar formas de avançar nos processos de debate e avaliação coletiva, incluindo a elaboração de materiais que possam auxiliar nestes momentos;
 
 Avançar na elaboração de propostas para garantir vida digna a todos os povos da Pan-Amazônia, considerando suas diferenças intra e inter-regionais;
 
 Mobilizar as sociedades civis Pan-Amazônicas contra as falsas soluções de mercado para o clima, como o REDD;
 
 Desenvolver lutas contra o patenteamento do conhecimento das populações tradicionais, que apenas promovem os interesses das grandes corporações transnacionais;
 
 Mobilizar as organizações contra as estratégias dos governos e das grandes empresas, voltadas à flexibilização da legislação ambiental na Pan-amazônia;
 
 Lutar pelo reconhecimento legal de “territórios livres da mineração” e de outros empreendimentos, nos ordenamentos jurídicos dos países da Pan-Amazônia;
 
 Articular a criação do “Dia da Pan-Amazônia”, onde todas as organizações realizem manifestações e discussões conjuntas, chamando a atenção mundial para os problemas ambientais, sociais, econômicos, culturais e políticos que ocorrem nesta região;
 
 Constituir um centro de comunicação do FSPA, de maneira compartilhada, com a função de interligar os movimentos sociais da Pan-Amazônia, socializar debates e iniciativas de ação;
 
 Divulgar as ações, discussões e resultados do FSPA nas comunidades, através de uma rede de comunicação;
 
 Construir uma presença marcante da Pan-Amazônia na reunião do FSM em Dakar, no Senegal, em fevereiro de 2011;
 
 Inserir o FSPA em redes e articulações que tenham causas comuns;
 
 Realizar o FSPA de dois em dois anos, em países diferentes, com candidaturas antecipadas que deverão ser aprovadas pelas instancias do FSPA.
 
Santarém, 29 de novembro de 2010

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